sábado, 31 de agosto de 2013

ética, opera non finita




Torzov se dirige a nós: “Imagine que você veio ao teatro para representar um papel
importante. O espetáculo começa daqui a meia hora. Na vida particular você tem muitas
preocupações e aborrecimentos. Em casa aconteceu alguma coisa. Um ladrão acabou de
roubar o teu casaco e o paletó novo. Neste momento você tem mais uma preocupação: assim
que entrou no camarim você se deu conta de que tinha deixado em casa a chave da gaveta
aonde guarda o dinheiro. Para que ninguém roube! E amanhã vence o aluguel! Você não pode
deixar passar a data porque as tuas relações com a proprietária são muito tensas.
E depois, tem ainda uma carta de casa – teu pai está doente. Isto te angustia muito: antes de
tudo porque você o ama, e depois, porque viria a faltar a ajuda material, se lhe acontecesse
alguma coisa – o teu salário no teatro é baixo.
Mas a coisa mais desagradável são as relações ruins que você tem com teus colegas e com a
direção do teatro. Os teus colegas não perdem uma ocasião para debochar de você e se
permitem fazer brincadeiras desagradáveis durante o espetáculo: seja omitindo de propósito
uma fala, seja mudando inesperadamente as marcações, seja, durante a sessão, sussurrando
alguma coisa ofensiva ou indecente. E além do mais você é tímido, e fica inseguro. Mas é
exatamente isso que querem os teus colegas, e é este o divertimento deles. Um pouco por
tédio, um pouco para se divertir.
Reflita atentamente sobre aquilo que acabei de contar e julgue se é fácil, nesta situação, se
concentrar o quanto é necessário para o trabalho criativo em cena.
Estamos todos naturalmente de acordo que é uma tarefa difícil, sobretudo por causa do pouco
tempo que sobra antes do espetáculo.
- Se pelo menos estivéssemos prontos a tempo com a maquiagem e o figurino!
- Não se preocupem com isto – nos tranqüiliza Torzov.
Com sua mão de expert o ator arruma na cabeça a peruca e se maquia. Os gestos vão
sozinhos, mecanicamente, e você nem se dá conta de que está pronto.
Você tem apenas o tempo de se precipitar em cena no último segundo. A cortina se levanta e
você ainda está sem fôlego. A tua língua diz o texto da primeira cena pela força do hábito,
como um papagaio. Depois, recuperado o fôlego, você pode pensar na “sensação de si em
cena”.

(Stanislavski)